Em noite histórica, araraquarense Ignácio de Loyola Brandão toma posse na ABL
O jornalista e
escritor Ignácio de Loyola Brandão tomou posse como novo imortal da
Academia Brasileira de Letras (ABL) e escreveu um capítulo histórico
para o município de Araraquara.
A
solenidade de posse foi realizada na noite de sexta-feira (18), no
salão nobre do Petit Trianon, sede da ABL, no Rio de Janeiro, e teve
presença do prefeito Edinho.
Loyola Brandão, 83 anos, passa a ser o primeiro araraquarense a ocupar
uma cadeira na ABL — a cadeira 11, que era do escritor, sociólogo,
cientista político e advogado Hélio Jaguaribe, falecido em setembro de
2018. Conquista que coroa uma carreira de 54 anos de atividade no
jornalismo e na literatura.
“Foi
uma sessão solene emocionante. O Ignácio fez uma fala histórica e muito
emocionante. Pela primeira vez, Araraquara tem um imortal na Academia
Brasileira de Letras. Em pouquíssimas oportunidades, cidades do interior
do Brasil puderam pôr um dos seus filhos dentro desta casa. Ignácio
orgulha a cidade de Araraquara”, afirmou o prefeito Edinho.
Discurso de posse
Em seu discurso de posse, Loyola lembrou do início de sua vida em
Araraquara, da relação com seus pais (Antônio, o Totó, e Maria do
Rosário), e da influência de duas professoras em seu aprendizado escolar
e no estímulo à criatividade: Lourdes Prada e Ruth Segnini.
Loyola afirmou que seu pai era um funcionário modesto da EFA (Estrada
de Ferro Araraquara), mas era apaixonado por leitura e o ensinou a
utilizar dicionários. Sua mãe foi descrita como uma mulher simples e
piedosa, que não terminou a escola para cuidar dos irmãos.
“Jamais esqueço as noites em que minha mãe despejava o feijão na mesa e
começava a escolher, separando os carunchados, as pedrinhas, os
gravetos minúsculos, as folhinhas. Meu pai me chamava atenção: ‘Veja
como ela escolhe os mais perfeitos, saudáveis, bonitos. Lembre-se disso:
ao escrever busque as melhores palavras’”, relatou o escritor.
Seu pai lhe deu outro conselho quando levou Loyola para pegar o trem
para São Paulo, então com 21 anos de idade. “Entregou-me 3 mil
cruzeiros, acentuando: ‘Economizei para seus primeiros dias. Mas estou
tranquilo, porque sei que você sabe que eu e teus professores já te
demos o mais importante: as palavras. Use-as com cuidado e honestidade’.
Tenho procurado usá-las bem. Às vezes, com percalços. Esta Casa,
espero, pode me ajudar, ampliando a extensão das palavras e a luta pela
liberdade”, declarou Loyola.
“Nunca pensei em entrar para a Academia, até a noite em que pensei.
Tinha acabado de receber das mãos do acadêmico Eduardo Portela o prêmio
Machado de Assis pelo conjunto de minha obra, quando ele me soprou no
ouvido: ‘Se um dia se candidatar, terá meu voto’. […] Tentei. Aqui
estou. Ainda emocionado e agradecido com a unanimidade”, relatou Loyola,
que descreveu a noite de posse como “um momento imensurável”.
Seu discurso também foi marcado por uma análise conjuntural da política
brasileira e do momento vivido pela sociedade. “Para desenvolver o
Brasil precisamos de desenvolvimento, democracia, liberdade, saúde para
sobreviver, ensino e trabalho, ausência de fome e miséria, de segurança
e, acima de tudo, ética e verdade. E principalmente nos relacionarmos
sem ódio, indignação, acirramento”, declarou o escritor.
“Não podemos repousar a cabeça alheios ao terror nem permitir que nos
arranquem a voz de nossas gargantas”, concluiu o novo imortal da ABL.
A mesa da cerimônia foi presidida por Marco Lucchesi e composta pelos
acadêmicos Ana Maria Machado, José Murilo de Carvalho, Merval Pereira e
Antônio Torres. Também estiveram na solenidade outros acadêmicos da ABL;
o vereador Elias Chediek (MDB), o ex-prefeito Marcelo Barbieri e outras
autoridades de Araraquara; o presidente da Ferroviária, Carlos Salmazo;
além de familiares e amigos de Ignácio de Loyola Brandão.
Biografia
Ignácio de Loyola Brandão nasceu em Araraquara, em 1936. Jornalista,
romancista e escritor, passou pelas redações do jornal “Última Hora” e
das revistas “Cláudia”, “Realidade”, “Setenta”, “Planeta”, “Ciência e
Vida”, “Lui” e “Vogue”.
Loyola
Brandão iniciou sua carreira jornalística em Araraquara como crítico de
cinema, aos 16 anos, no semanário “Folha Ferroviária”, passando em
seguida para o diário “O Imparcial”, onde ficou por cinco anos. Há mais
de duas décadas, o araraquarense é cronista do jornal “O Estado de
S.Paulo”.
O escritor tem mais de
40 livros publicados. São romances, contos, crônicas, relatos de viagens
e livros destinados ao público infantil. Entre os romances mais
conhecidos estão “Bebel que a Cidade Comeu”, “Zero”, “Não Verás País
Nenhum”, “O Beijo Não Vem da Boca”, “Dentes ao Sol”, “O Anjo do Adeus” e
“O Anônimo Célebre”.
Seus livros
foram traduzidos para diversos idiomas, incluindo húngaro, tcheco e
sul-coreano. Com “O Menino que Vendia Palavras”, Loyola Brandão ganhou o
Prêmio Jabuti de Melhor Livro de Ficção de 2008. Em 2016, recebeu da
Academia Brasileira de Letras (ABL) o Prêmio Machado de Assis pelo
conjunto de sua obra. A mesma ABL que agora o acolhe como um novo
imortal.
Sobre a ABL
A Academia Brasileira de Letras, inaugurada em 1897, no Rio de Janeiro,
é uma instituição cultural cujo objetivo é o cultivo da língua e da
literatura nacional. A ABL foi idealizada por Lúcio de Mendonça e teve
como primeiro presidente Machado de Assis. Dezesseis acadêmicos
estiveram na sessão inaugural, em julho daquele ano.
O estatuto da ABL estabelece que, para alguém candidatar-se a uma
cadeira vaga, é preciso ser brasileiro nato e ter publicado, em qualquer
gênero da literatura, obras de reconhecido mérito ou, fora desses
gêneros, livros de valor literário. A ABL é constituída por 40
acadêmicos efetivos e perpétuos, além de 20 membros correspondentes
estrangeiros.
Os imortais são
escolhidos mediante eleição por voto secreto. Quando um acadêmico morre,
a cadeira é declarada vaga na Sessão de Saudade. A partir de então, os
interessados têm dois meses para se candidatarem, por meio de carta
enviada ao presidente da ABL. A eleição ocorre 60 dias após a declaração
da vaga.
Uma das atribuições da
ABL é a publicação do Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa
(Volp), levantamento de todas as palavras existentes na língua
portuguesa, com indicação da grafia e informações adicionais, como as
respectivas classificações gramaticais.